Rapidinhas

Auto Retrato

Pra onde você olha, menina
O que te absorve
O que te estabelece
Nesse olhar que te consome
Por onde anda teu futuro
Menininha doce
Onde teu passado esconde
Acalenta tua filha, boneca
Resume tua ópera
Nasce de novo pra mim, menina
Dá-me tua obra
Cresce para mim, boneca
Volta tua história
Leva teu futuro para meu presente
Lava essa memória
Senta no meu colo, menina
Diz ao meu ouvido
Seja meu espelho
Seja minha aurora
Desvia teu olhar, garota
Olha para mim
O que te absorve
É o que me estabelece.

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Dizem que sois só
Querem que acrediteis
Pois não sois
Não sois
Pois.
Vira-te
Erga-te
Vista-te
Parta.
Pois
Sois dois
Mesmo em um
Não sois
Pois pó
Sois
Os dois.

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Tem
po.
Tem
po.
Tem
pó?
Tem
pô!
Tem
po!
Tem
tic
tac
po
Tem
po.

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Falo do que falo
Do que posso falar
Falo do falo
E da fala
Falo do que posso
Falo que quero
E da fala
Falo
E do falo
Não falo
Digo
Na fala imprimo
Mas do falo
Não falo
Faço.

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Nua, sou só
Só, sou tua
Tua, sou pó
Pó, sou rua
Rua, sou nó
Nó, sou crua
Crua, sou só
Só, sou nua
Nua, só tua.

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Hoje, a criança dorme nebulosa.
Como nebuloso é o sonho
De quem gira.
Dorme nebulosa
Criança passageira.
Esse é o caminho
De seguir trigueira
E cautelosa.
Deixa de seguir manhosa
Tua estrada perigosa
Ao pé da ribanceira.
Planta teus pezinhos
No solo da minha mão.
Olha pras estrelas
Que dormem bandidas
Nesse meu porão.
Ah, criança dorminhoca!
Levanta de mansinho
Vem me caminhar.

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a criança adormecida
sob os braços estendidos do Redentor
sonha ingênua com o destino
daqueles que em seus calcanhares
se amontoam na dor.

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Choramos o silêncio
E a morbidez dos sonhos juvenis
Choramos o silêncio
e a hipocrisia das atitudes senis
Choramos no silêncio
da angústia que rasga o peito
Cantamos o silêncio
que choramos
Cantamos no silêncio
que criamos
e o silêncio chora em si.

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Passatempo

eu espero passar o tempo
de tempo em tempo
o tempo a passar
horas e horas
esperando resposta
esperando o tempo
pro tempo passar

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Tudo que da terra sai
à terra é devolvido
Tudo que do homem sai
o homem mata
ou mata o homem.

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formam-se desenhos no chão
que o faxineiro limpa
e incomoda
a presença da injustiça
que, no mundo,
uns lêem e outros varrem.

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A chuva lava os corações dos homens
apaixonados.
O rio transborda em brancas nuvens
de pedra e aço.

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O pouco que tenho é o muito de alguém
O nada que tenho é o tudo de alguém
[jamais esqueço]
O mundo que tenho é o sonho de alguém

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Quem é você
Que me habita
Em berros
De silêncios
Atirados
Que me ocupa
De tempo em tempo
Sem o tempo
De me ocupar?

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a gente fica tão enfiado
dentro da gente
que a gente pensa
que é o mundo inteiro.


COPYRIGHT textos Renata Gabriel

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